Alice Mena Barreto's profile

Musas da Cura - Série Branca

Musas da Cura foi um projeto desenvolvido durante o meu tratamento de um câncer de mama. A ideia foi transformar cada infusão em uma musa que representasse meu estado físico e mental durante aquele período, ou seja, transformar cada quimioterapia em degraus que me fariam atingir a cura. Essa primeira fase mostra a evolução durante as 12 sessões semanais de quimioterapias brancas.
 
[Eng] Cure Muses was a project developed during my treatment for breast cancer. Each muse represents one chemo session of the first phase of my treatment.
 
 
O meu diagnóstico veio no susto, sem fazer alarde: um carocinho no peito, meio escondido. Pequeno, mas presente.

Uma situação que eu não consigo controlar… Acontece numa aleatoriedade da vida, uma vírgula na história. A única coisa que posso escolher é como vou encarar todo esse processo.

E se toda experiência que vivemos pode virar arte, por que essa não viraria, não é mesmo? Mais importante ainda: vai virar, porque o desenho mantém minha cabeça no lugar. É o meu refúgio, simples assim…

Aqui, nasce uma série, que conversa diretamente com o meu tratamento. São minhas musas da cura. Cada uma representa uma infusão que estou recebendo.

A primeira: “A ESPERANÇA” (23/10/23), que marca o início do meu tratamento. Esperança do processo ser gentil, do meu corpo responder bem aos medicamentos e do tempo passar num piscar de olhos.



Nunca fui muito adepta a remédios. Só tomo quando realmente é necessário. Sabe aquela amiga natureba que cura dor de garganta com própolis? Pois é, sou eu!

Mas agora, não tenho escapatória. Tenho que tomar um monte de coisa: foi hormônio, antibiótico, quimio, imuno, remédio contra enjôo, alergia, cortisona… E isso altera o funcionamento do corpo, não vou mentir pra você.

Por isso, minha segunda musa da cura é “A OBSERVAÇÃO”. Vou ter que reaprender a escutar esse novo corpo e ele tem muito a me dizer…

Um dia de cada vez!



Tive uma semana tranquila! Quase uma Alice normal antes disso tudo começar. Essa semana, as dores não me visitaram na quinta, mas deixa eu explicar…

Tive uma dor na primeira e segunda semana, bem na linha da costela, principalmente quando respirava mais fundo. Misteriosamente, elas começaram na quinta-feira em ambas as semanas. Depois de alguns exames, foram descartados os piores cenários e continuo sem saber ao certo o que foi.

Era adaptação do meu corpo? Possível… Talvez me observar mais e fazer ajustes na minha rotina tenham ajudado? Sim…
Mas o que importa é que o medo de quinta acabou e foi substituído por um alívio de ter a “velha” Alice de volta. A velha de novos hábitos, mas sem dor.

Nessa terceira semana, “O REENCONTRO”.

Seguimos…



A quarta semana nasce com um calor de quase 40 graus lá fora e uma chuva de boas notícias daqui de dentro!

Primeiro, meus exames semanais deram totalmente normais. Segundo, o nódulo palpável diminuiu de tamanho. Terceiro, não tive nenhuma reação “alérgica” a uma das quimioterapias que estou tomando (o que aconteceu na 3a infusão).

Era o anúncio de como seria a semana toda? Não. Porque viver isso aqui é estar dentro de uma montanha-russa.

Você vai ter dias bons, seguidos de dias ruins. Você recebe boas notícias e no dia seguinte, um balde de água fria. Algumas vezes, fica difícil viver o hoje, sem pensar em como vai ser lá na frente: as consequências, as decisões que ainda vou ter que tomar, o tempo que vai levar, enfim…

A parte boa de tudo isso é que você aprende que depois da tempestade, o tempo abre de novo. Às vezes, a gente até recebe de presente um arco-íris no céu. A gente quase cai, mas reencontra o equilíbrio.

Um dia ruim não vai tirar o brilho dos outros 6 bons. Por isso, a musa da semana é “O FOCO”.

Que o equilíbrio permaneça!



Depois dessa quinta infusão que meus cabelos começaram realmente a cair, a uma taxa assustadora.

Desde o começo, eu sabia que isso iria acontecer. Estava no script. Antes de começar a quimio, eu decidi cortar o cabelo pra doar o comprimento. Ali já foi meu primeiro “até logo”. O segundo foi quando me “demiti” da touca de gelo, que impede parcialmente ou ajuda a retardar a queda.

Já tinha decidido não usá-la antes mesmo de começar as quimios. “Deixa cair”, falei pro médico. Mas, chegando lá, um dos enfermeiros me convenceu facilmente: “Você vai cabular aula logo no primeiro dia?” Realmente, iria desistir sem nem ao menos tentar? Foi assim que, na primeira semana, usei a touca de gelo “tradicional”: uma de gel congelada no freezer, que vai sendo trocada a cada meia hora.

O negócio não é pra principiantes: além de aguentar o gelo no couro cabeludo e seu cérebro quase congelar nos primeiros 15 minutos, você não pode lavar o cabelo por dias depois da touca. Isso me deixou tão miserável, me sentindo tão suja na primeira semana, que não tive dúvidas: me livraria imediatamente daquilo.

Na segunda semana, estava marcado pra usar a touca mais moderna, que fica acoplada numa máquina e se mantém a -4 graus, mas eu nem quis testar. Já cheguei dispensando tal procedimento e tirando algo que, ao meu ver, deixava o meu caminhar mais pesado.

A cada escolha, uma consequência… E apesar de não ser nada “divertido” ver seu cabelinho indo embora, eu considero o menor dos meus problemas. É temporário, é uma fase e era esperado…

O musa dessa semana é: “O ATÉ LOGO”.

Aguardando as cenas do próximo capítulo.



Chegamos na metade das quimios brancas e a mochila começa a pesar nessa escalada. Boa parte dos meus cabelos ficou pelo caminho e os enjôos começaram a aparecer.

Mas me sinto injusta com o Universo de reclamar disso, porque sei que poderia ser muito pior…

A gente não pode se deixar ver o copo meio vazio. Temos que focar sempre no meio cheio: meus exames continuam com taxas normais, meus cabelos estão fazendo hora extra (eu sei, eles já deveriam ter caído) e não preciso ficar tomando um remédio atrás do outro pra ter um dia quase normal.

O enjôo é chato, mas tolerável, contornável. A musa da semana é: “AS ONDAS”.

E assim, seguimos.



Essa semana, chego no hospital pra receber minha sétima infusão já muito enjoada. O que eu tava prestes a descobrir é que aquilo não é era um efeito da quimio e sim, uma bela intoxicação alimentar.

Meu psicológico foi lá pra baixo. Eu me sentia uma chata, com constante enjôo e fraqueza, não podia nem pensar em comer, chorava por qualquer coisa… Se sentir mal daquele jeito faz a gente esquecer de como é se sentir bem. E a gente fica aflita, por pensar que ainda temos uma maratona pra correr.

Mas o Universo não falha: quando você se sente afundando, ele vem com um sopro de esperança, que te dá fôlego pra voltar pro eixo.

Vem aí, uma boa notícia.

[A musa da semana: "A QUEDA."]



No final da sétima semana, tinha um Ultrassom marcado pra ver a evolução do meu tratamento. E essa foi a notícia que me faria levantar a cabeça de novo:

“As lesões estão diminuindo. Pra ser honesto, uma sumiu por completo.”

Foi a melhor mensagem que eu poderia receber do meu médico. É a prova que o tratamento está andando muito bem!

E eu tenho certeza que meu pai está do meu lado desde o início. O meu nódulo palpável era minúsculo (tão pequeno, que no começo tinha dificuldade de encontrar). Pois ele me guiou pra passar o sabonete bem ali e ainda por cima, prestar atenção no que eu estava fazendo; de tomar decisões certas, mesmo sem ter tempo pra pensar; de colocar no meu caminho profissionais que me passam segurança e acolhimento; de manter minha saúde, mesmo sendo bombardeada com drogas tão fortes. Ele simplesmente tá aqui, tenho certeza.

E está presente também como exemplo. Meu pai, com 76 anos, descobriu uma leucemia aguda na parte branca do sangue. Quando foi diagnosticado, os níveis de plaquetas dele estavam tão baixos, que qualquer cortinho poderia ser hemorrágico. Era muito grave! Ele ficou mais de 2 meses numa ala de isolamento do hospital. Nas visitas, lembro que tínhamos que colocar todo tipo de proteção antes de entrar na ala, pra não levar nenhuma contaminação pra dentro. E ele encarou aquilo com tanta calma… Ele simplesmente aceitou o tratamento, sem querer saber muito dos riscos, nem nada. Era um dia depois do outro, até que… passou! Ele ficou super bem, ganhou remissão depois de tratar por 2 anos e viveu até os 86.

É nele que me espelho! O modo dele encarar a doença, muito mais grave que a minha, me ensinou tanto… Muito mais do que poderia imaginar!

Por isso, a musa da semana, na verdade, é um muso: O (meu) ANJO DA GUARDA!

Eu sei que ele está aqui.



Realmente, viver isso aqui é lidar com altos e baixos.

Se até agora, meus exames de sangue estavam todos normais, essa semana, eles mostram a pontinha do iceberg: um pouco de queda na imunidade, taxas do fígado um pouco aumentadas. Fora as reações no dia da quimio: enjôo, vômito, febre…

E assim… Isso já deveria ter acontecido há semanas! Eu estou no lucro aqui… Mas não vou mentir: estava orgulhosa do meu corpo, do seu poder regenerativo, como se uma mágica pairasse sobre mim. Os exames de sangue vêm com um quê de decepção, sim. Mas também é uma sensação que passa rapidamente, afinal de contas, meu lado racional está sempre aqui presente: são drogas fortes que me curam e ao mesmo tempo, me afetam. Simples assim! Sei que tenho que enfrentar os espinhos pra desfrutar das rosas.

E assim, vamos um dia de cada vez.

[A musa da semana: "OS ESPINHOS."]



As novidades?

Se semana passada, minha imunidade estava um pouco baixa, essa semana, ela voltou a níveis normais.

Além disso, depois de duas semanas com reações logo depois da infusão, meu médico decidiu não me dar a segunda quimio, como teste. E ele acertou em cheio: não tive enjôo, nem febre e tudo correu de um jeito mais leve, coisa que, nessa altura do campeonato, faz toda a diferença.

Parece que, quando a gente joga pro Universo, a resposta vem em forma de sussurro, sutilmente: “Isso é para você continuar caminhando. Falta pouco...”

Realmente, vejo "A LINHA DE CHEGADA" (a musa da semana).

Já foram 10!



Quando tudo isso começou, eram 12 aplicações semanais. Seriam 3 meses pra terminar essa primeira fase do tratamento, com as quimios brancas. Parecia uma eternidade, não vou mentir…

Desde o início, eu tentei ao máximo “blindar” minha mente de contar quantas infusões eu ainda tinha para fazer. Era sempre no espírito de “menos uma”, pra tentar deixar esse tratamento um tanto mais leve.

Às vezes, esquecia disso no meio do caminho? Sim! E agradeço por ter gente ao meu redor pra me recolocar no eixo. Lembro que na sexta infusão, disse pra minha mãe, minha fiel companheira dos dias de quimio, que eu já estava de saco cheio. E ela respondeu: “Calma, tá na metade.”

Quando você tá vivendo isso, às vezes, é normal bater um mini desespero, pensando no que ainda terá que trilhar. Agora, olhando pra trás, percebo que até passou rápido. E o melhor de tudo, hoje eu posso (e me permito) dizer: SÓ FALTA UMA!

Que venha a décima segunda branca!

[A musa da semana: "A PENÚLTIMA."]



A última branca. Um momento de comemoração, de agradecimento e de alívio.

Tomar a última quimio dessa etapa é libertador. Não vou mentir que a gente fica de saco cheio do ritual semanal de ir pro hospital, de enfrentar trânsito e agulhas… Do alerta constante de qualquer sintoma fora do comum. De ver metade do seu cabelo no ralo a cada lavagem, suas sobrancelhas ficarem mais ralas, seus cílios falhados. De sentir seu corpo inchado. Dos calores da menopausa induzida, que vêm do centro do corpo pra fora e me acordam diversas vezes a noite. De não poder beliscar uma batatinha frita de vez em quando. De não poder aproveitar o verão e tomar um solzinho no fim de semana…

Mas é tudo para o objetivo maior. É o único caminho possível…

Foi leve, diante do que poderia ter sido. Foi breve, diante do que imaginei lá no início.

E o resultado foi melhor do que esperava. Nessa mesma semana, fui fazer outro ultrassom de controle. Um dia antes, falei pro meu marido: “Vou chegar lá e outro nódulo vai ter sumido.” Só joguei assim pro Universo, sabendo racionalmente que poderia não acontecer, mas com aquela esperança. Não é que sumiu mesmo? E pra minha surpresa, foi o metaplásico (tipo raro que geralmente não responde bem a quimioterapia).

Chego nesse ponto da jornada com um fôlego extra para enfrentar a quimio vermelha. A musa da semana é: “A TRANSIÇÃO”.

Aliviada e confiante.



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Musas da Cura foi um projeto desenvolvido durante o meu tratamento de câncer de mama. Cada musa representa uma infusão da primeira etapa da quimi Read More

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